A escrita de Clarice Lispector situa-se numa confluência de paradigmas, que a narradora entretece, destece e põe em tensão: a cena do Realismo-Naturalismo e a do Romantismo-Simbolismo. Isto significa que em seus textos encontra-se veios recessivos que, transformados por sua perspectiva estilística pessoal, criam um entrelaçamento significativo entre a realidade e a “realidade adivinhada”. Neste sentido, ela produz uma poética que lhe é própria, e nela como que desenha uma arquitetura textual sui generis, na qual três obras se destacam e se enlaçam (reclamando-se e afastando-se) com rara sabedoria, por permitirem perceber a tensão no traçado do conjunto: Laços de família, que contracena com A Via Crucis do corpo, mais próxima de uma lição realista-naturalista; Água viva, denso poema em prosa, na qual tempo, enredo, personagens se desagregam e A hora da estrela, espécie de ponto ótimo de articulação, mas não de síntese, das tendências referidas.